domingo, 22 de fevereiro de 2009

Vida de ashram

A traduçao mais facil e comum de ashram é mosteiro. Um local onde vivem e confluem pessoas dedicadas a aprender e ensinar o conhecimento, neste caso o sanscrito, o yoga , o vedanta, os vedas.

Na pratica um ashram costuma ser algo entre um mosteiro e um hotel, e ás vezes é mesmo as duas coisas. O ahram onde estou é basicamente uma instituiçao de ensino, e parece uma especie de campus universitário, embora mais pequeno e ao estilo indiano, ou seja, menos bonito, menos espaçoso, menos bem projectado, menos sofisticado. Mas ainda assim funcional. Os ashrams maiores e mais reputados fazem trabalho social e em alguns casos incluem escola, orfanato, hospital de leprosos ou outra coisa do genero. Não necessariamente esta tudo no mesmo perimetro, até porque o normal é ir crescendo, aos poucos, a medida que surgem fundos, nomeadamente donativos mais generosos que alguns devotos fazem. A maioria tem cantina, ou eventualmente ate restaurante comercial, aberto a qualquer pessoa que pague. Não tenda a imaginar uma igreja enorme com uma ampla estalagem anexa, como costumam ser os mosteiros cristaos. Tudo é mais recente, menos artistico, menos monumental, menos sólido. É tudo mais pratico e funcional, mais modesto, com pouca sofisticaçao, gosto e decoraçao. Outro factor a notar é que neste ashram onde estou, por exemplo, o templo onde se efectuam os rituais religiosos é o edificio mais pequeno de todos. Aliás, tenho reparado que os hindus, embora muito dados a cores garridas e um monte de pirosices, e embora sejam bastante religiosos, não tendem a construir templos muito grandes, pesados e monumentais. Têm é muitos. E os mosteiros é mais ou menos igual. Se você quiser considerar a sua cabana um mosteiro também pode ser. Aliás, a maioria destes ashrams começou dessa forma. Um swami (monge) ganha reputaçao, começa a ter apoios e aos poucos deixa de viver numa gruta ou cabana e começa a construir instalaçoes mais sólidas, que aos poucos vao crescendo. Este ashram onde estou foi mais um dos que começou assim. O monge principal vivia, como muitos outros, num kutir, ou seja, uma cabana, tipo pallhota, aqui mesmo junto ao rio. Mas ganhou fama e apoios, e aos poucos foi construindo um ashram.

O ashram onde estou é enorme. É o Swami Dayananda Ashram de Rishikesh, um dos mais antigos e bem considerados, sobretudo por indianos. Porque aqui o ensinamento ainda é mais tradicional, com muito sanscrito e vedanta. Dos pouco mais de 250 presentes neste primeiro curso, uns 200 sao indianos, a maioria gente mais ou menos endinheirada e de casta alta, e também bastantes swamis visitantes, que aqui estao como eu ou os demais, para aprender da boca do mestre. Alguns já vêm ouvir pela énesima vez. A média de idades deve ser os 50 anos. Talvez mais. A principal lingua falada é o inglês, que serve de lingua franca para todos. Alguns vêm para aprender filosofia, outros para aprender religiao e aprofundar-se na cultura, conhecimentos e rituais tradicionais do hinduismo. Aqui isso está tudo incluído e mais ou menos junto, e cabe a cada um saber pescar só aquilo que quer. Nada é imposto, e não há sectarismo religioso algum. Aliás, os conceitos de religiao e deus de um hindu sao um pouco diferentes dos nosso ocidentais. Por isso o swami ate evita falar de espiritualidade, deus ou religiao, porque sabe que essas palavras tendem a gerar mais equivocos qu eentendimento. Mas também não se pense que, apesar do nivel cultural e economico ser alto (muitos professores, alguns médicos, e tal), e do ensinamento ser essencialmente filosófico, na verdade humanidade é...humanidade. E há muita gente, principalmente indianos, que vêm aqui por questoes puramente religiosas, por crença, para rezar, para cumprir com obrigaçoes rituais e tradicionais, para fazer boa acçao e acumular bom karma, para tentar entender e resolver algum dos seus probleas e sofrimentos, e quiça o swami tenha alguma receita mágica para resolver tudo...

As instalaçaoes deste ashram contêm cerca de 150 quartos, uns de 2 outros de 3 pessoas, com capacidade para cerca de 300 pessoas. Sem luxos, mas um conforto razoavel (para a Índia e para um mosteiro). Além das habitaçoes o mosteiro tem as cantinas, recepçao, templo, livraria e biblioteca, e três salas de estudo, conferencia e ou pratica.

A cantina é exemplar do que é a vida comunitária no ashram. É grande, com várias salas que acessam umas ás outras. Mas tem só algumas poucas mesas de plastico, que se pressupoe estarem ali para as pessoas mais velhas ou com algum problema fisico. A maioria das pessoas come sentada no chao, sobre um fino tapete, de pernas cruzadas, lado a lado com os demais. Come-se num tabuleiro de metal, e bebe-se num copo de metal. Pode-se comer com a mao ou com ajuda de uma colher. Sempre com a mao direita, que os hindus consideram a limpa. Eu ainda não consegui comer à mao... A comida é servida (a horas fixas) directamente das panelas. Servida por voluntarios de entre os participantes no curso aos demais participantes, que vao em fila passando e sendo abastecidos. Não há escolha. Só se pode pedir um pouco mais ou menos, mas a comida é igual para todos. Geralmente é arroz, alguma coisa com batata, algum outro vegetal (ervilhas, por exemplo), um molho qualquer dado a picante e pao. Pao quer dizer: algo parecido a crepe... As vezes tem algo doce, algo parecido a arroz doce, que até pode ser servido e comido junto ao resto! A comida nunca tem alho ou cebola, que sao considerados impuros, sexualmente estimulantes, “rajasicos”, ou seja, criadores de movimento, instabilidade. A comida, embora básica, nem é má. Eu gosto. O problema está em que é assim quase todos os dias, quase igual, 3 x por dia (pequeno almoço incluído), 7 dias por semana! Para quem escolheu vida de monje renunciante e encarou a serio a possibilidade de uma vida errante, sem confortos, esta alimentaçao até deve superar as expectativas. Mas para alguém habituado a uma vida mndana, que está sempre a variar e diversificar, e que come o que quer quando quer isto exige uma certa habituaçao... De qualquer forma também não é nenhum grande sacrificio, e quem quer pode sair e ir comer fora. Depois de comer cada um vai lavar o seu copo e tabuleiro aos lavadores exteriores ao comedor e deposita-os já limpos no respectivo local. Ou seja, não há luxo nenhum, apenas sentido pratico. E se para um ocidental isto pode pecar por alguma falta de conforto e sofisticaçao no serviço ou instalaçoes, para os hindus, muitos deles de casta alta e e bom poder económico, é muito mais siginficativo que tenham de servir a comida e limpar o próprio prato. Não o fariam em casa, mas aqui, para eles, é ritual, é um acto de contricçao e humildade, é uma pequena rendiçao, acumulam bom karma...

Também se espera que cada um tome conta da própria habitaçao, (que em geral é partilhada), nomeadamente no que a limpeza diz respeito. Não há serviço de quarto! Nem sequer lençois! Só o básico: cama, cobertor, luz, W.C....Na realidade as instalaçoes sao muito boas para o padrao de um hotel indiano isto seria quase de 2 ou 3 estrelas. Já não me lembro da ultima vez que lavei roupa a mao! Até há serviço (pago, mas barato) de lavandaria, mas usam agua que talvez seja a do rio, ou pior, sabao pouco, e lavam e secam a roupa a paulada. As vezes vem rota. Mais vale lavar no quarto...

A esta altura é importante dizer algo: tudo isto é gratuito! Os cursos e demais actividades, a estadia no quarto, as refeiçoes... não é pouco. Claro que se pode (e deve) contribuir voluntariamente com algo. Tipo 10 euros (500 a 600 rupias) por dia é uma soma bastante agradável nestas partes, e bastante acessivel para um ocidental. Quer quer dá mais, e há quem dê, e há quem não dê nada... Geralmente à hora da refeiçao menciona-se o nome de alguns patrocinadores mais generosos, quase sempre indianos hindus, para quem tudo isto é tradiçao, religiao e ritual.

O regime não é militar. Está tudo bem organizado, mas nada é imposto. Posso sair quando quiser e só vou as aulas que quiser. Mas vim com o propósito de aprender algo e por isso estou a seguir o curso quase integralmente, neste caso o Camp 1- Vedanta didinmah (“isto proclama o Vedanta”), que dura cerca de 10 dias, 3 aulas de uma hora por dia. Para além disso posso ir a meditaçao guiada as 7. 00, estudar sanscrito de manha e a tarde, e até ir a classe matinal de Hatha yôga (muito suave e terapeutico), ou a classe de musica, e ainda frequentar o sat sanga nocturno (20.30), onde se vocalizam mantras em grupo, e o swami responde a perguntas que qualquer um pode fazer. Para quem quer ainda há os pujas feitos no templo. Não faço tudo. Embora esteja já entrar na rotina do ashram seria demais para mim. Até porque as aulas de Vedanta, só por si, sao bastante intensas, e convem ter algum tempo para reflectir e meditar sobre o assunto. De dois em dois dias, à tarde, saio e vou fazer uma aula de Hatha yôga às 17. 00 com um professor que conheci e estou a gostar bastante. Sao duas horas intensas, da qual (ainda) estou a sair compeltamente esgotado. Também faço a minha própria pratica de yôga todos os dias, uns 45 minutos. E tento ir a meditaçao matinal e aos sat sangas nocturnos que sao bastante bons. As vezes saio com mais alguém no pouco tempo livre que sobra, seja para ir comer fora ou comprar alguma coisa necessária. Ou só para distrair um pouco! Quem quiser pode começar às 4 30 da manha com o primeiro puja no templo, e só acabar às 22 00, depois do sat sanga, quase sem pausas, a nao ser uma pequena depois do almoço, que a maioria aproveita para uma curta sesta.

Os horarios durante este Camp sao assim:

  • 4.30 – puja no templo

  • 7.00 – meditaçao

  • 8.00 - pequeno almoço

  • 9.00 - vedanta dindimah (classe de vedanta)

  • 10.00- yoga, sanscrito, ou musica vedica

  • 11.30- vedanta dindimah (classe de vedanta)

  • 12.30- almoço

  • 16.00- sanscrito, ou musica vedica

  • 17.00- vedanta dindimah (classe de vedanta)

  • 18.30- puja no templo

  • 19.30 – jantar

  • 20.30 – sat sanga

Dentre dos cerca de 70 estrangeiros (media de idades deve ser 35 anos) presentes há-os dos 4 cantos do mundo. Bastantes japoneses,sempre super compenetrados, bastantes brasileiros, portugueses somos 3, australianos há bastantes, embora seja uma comitiva que parece ter caido aqui de paraquedas e estar meio perdida. Acho que a maioria esperava outro tipo de Yôga, mais Hatha Yôga. Mas aqui o Hatha yôga (o yôga mais pratico, mais fisico digamos assim) é considerado meramente um meio, um meio para dar limpeza, saúde, força, vitalidade e disciplina ao corpo e mente, de forma a poder pensar e meditar melhor, de forma a consagrar melhor todos os recursos à cultura, ao estudo, ao conhecimento, ao jñana, ao vedanta... Imagino que vir de um yoga de ginásio directamente para aqui deve ser, no minimo, um choque. Provavelmente uma desilusao. Enquanto para muitos (inclusive para mim) isto é o culminar do ensino do yôga, para outros, vê-se na cara, perguntam-se: o que raios faço eu aqui?

Outra coisa que se pressupoe, e que alguns ocidentais têm dificuldade de entender e respeitar, é que isto é um mosteiro. Um sitio dedicado ao ensino. Um sitio que foi construido por e para Swamis (monjes) celibatários, que resolveram dedicar toda a sua Vida a meditar, a aprender e ensinar o conhecimento vedico, nomeadamente o sanscrito, vedanta e o yoga, e que renunciaram a tudo o demais. Monjes celibatários! Ora, se até para um indiano comum, numa rua comum, ver uma mulher loira e de roupas justas (se mostrar os ombros e as pernas pior. Ou melhor, nem sei) já causa quase o mesmo efeito que na Europa causariam mulheres nuas em praias que não sao de nudistas, imagine-se dentro de um ashram! Aqui pressupoe-se que ninguem vem para desfrutar de uma vida “social”. Assim, e embora o ambiente seja bastante agradável e relaxado, espera-se que as roupas evitem grandes decotes e sejam folgadas, ou pelo menos não evidenciem as formas. Talvez por condicionamento cultural há muita gente vestida de branco, principalmente ocidentais, que tendem ás vezes a ficar mais indianos que os próprios indianos. Até porque os indianos tendem a vestir-se cada vez mais como ocidentais! Mas a verdade é que as roupas tradicionais, nomeadamente os pijamas, sao bonitos e confortáveis. Pelo menos parecem, porque ainda não me converti! Cai bem, ou seja, demonstra respeito, se os cabelos estiverem apanhados, e convem não abusar de perfumes. Abraços, beijos e maos dadas entre homens e mulheres...nao. Nem aqui nem em qualquer local publico indiano. Na india tradicional isso não existe, nem o nosso namoro... Depois de olhares discretos passa-se directo ao casamento! A maioria das mulheres ocidentais sao consideradas...liberais, fáceis, ou até prostitutas! E não sei se eles gostam ou não, acredito que tenham um pouco de inveja nossa. Mas aqui no ashram não. Ninguém recrimina ninguém, já estao habituados a ocidentais, mas espera-se um pouco de pudor. E não custa, é uma questao de respeito.

Enfim, apesar do programa intenso e das demais condicionantes, isto era exactamente o que vinha a procura. Está a superar as minhas expectativas todas, nomeadamente a nivel de qualidade do ensino, e por isso estou contente.

Depois conto mais, sobre os swamis (monjes) e sobre o que mais houver a contar...



2 comentários:

  1. Olá António! De tanta coisa que poderia dizer, vou perguntar-te sobre as classes de sânscrito, vêdánta e música! Já foste a alguma? O que aprendeste? Estou a aprender outra vez piano. E a história da música, os seus conceitos, são tão interessantes, estou fascinada principalmente com a teoria da música oriental. Quando estiver profissinal vou aprender um instrumento indiano ;) Beijinhos, conta mais.

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  2. Quais os procedimentos que devo tomar para permanecer por um período neste ashram?Meu e-mail é sansil37051@gmail.com.
    PAZ,
    Sílvia

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