domingo, 22 de fevereiro de 2009

Rishikesh, os yôgas, o ashram, o estudo...


Estou em Rishikesh.

Rishikesh, a cidade dos rishis, os sábios, os que estao conectados a Brahma, ao ilimitado, ao irrestricto, e que dele sao um veículo, que expressa a sua perfeita infinitude e unidade. Hoje, como desde há séculos e séculos, gurus procuram transmitir essa sabedoria (veda) através do parampárá (a tradiçao oral, passada de guru a discipulo). Muitos caminhos, muitos yogas, sao tomados por ainda mais gurus, estudantes e praticantes, seja para se iluminarem seja simplesmente para beneficiarem num ambito mais limitado, por mais contraditório que isso seja.

Rishikesh é uma pequena cidade ás margens do Ganges, ligeiramente a norte de de Haridwar. Haridwar é outra cidade sagrada para os hindus, que até ali peregrinam, e que ali realizam um Maha Kumbha Mela a cada 12 anos (o Grande K M, o maior festival religioso hindu (e do mundo), que junta cerca de 15 milhoes de devotos, acompanhantes, trabalhadores e curiosos, realiza-se alternadamente em cada uma das cidades santas da Índia a cada 12 anos, creio). Rishikesh também é considerada cidade sagrada, mas é mais pequena e menos tradicional para os indianos. Mas está cada vez mais popular e muitos peregrinos hindus, de muitas partes do país afloram a cidade, seja para se banharem no Ganges, que aqui, relativamente perto das suas nascentes, é limpo (menos sujo), seja para orarem nalgum dos templos e lá fazerem os seus pujas, seja para consultar algum guru, seja por tradiçao e curiosidade.

A maioria dos ashrams e escolas, e agora também os hotéis e estalagens, restaurantes e lojas, estao nas duas margens do Ganges que se estendem uns 3 km acima de Rishikesh. Há duas estreitas pontes supostamente pedonais. Mas os indianos metem motas em todo lado e por isso também lá passam motociclos, sempre a apitar como é óbvio. Também se pode atravessar de barco.

Os estrangeiros sao muitos, talvez um terço da populaçao nesta epoca do ano, a epoca alta, quando não esta nem muito frio nem muito calor. Vêm (vimos) quase todos por um motivo: yôga. Alguma forma ou entendimento do yôga. E sao muitos! Diz-se que esta é a “capital mundial do yôga”. O motivo é o numero e credibilidade de ashrams e gurus que aqui floresceu no século passado, e que criou fama. O sitio é de facto propicio, pois é pequeno e calmo, limpo, calmo, fresco, perto dos Himalayas, junto ao sagrado Ganges e de algumas das suas nascentes principais, perto de uma cidade grande e sagrada (Haridwar), ou seja, acessivel e propicio a estabilidade (satwico), a reflexao, a meditaçao. Tinha tudo para dar certo, e deu. Hoje já não é tao idilico, o turismo espiritual esta a massificar-se cada vez mais, mas ainda é extremamente agradável. Depois de Delhi, Agra e Varanasi tive a sensaçao de chegar ao paraíso, finalmente o éden prometido! Os Beatles visitaram o local na década de 70 e popularizaram o que já era um destino preferencial para conhecedores. A partir de aí nunca mais parou de crescer a fama da cidade como “o sitio” eleito por e para yôgins. E aqui há yôga de todas as variadades e para todos os gostos. Tantas que chegam a ser quase impossiveis de reconhecer-se umas nas outras. E isso faz tudo ser ainda mais interessante. É só escolher o que queremos aprender, e com quem. É tipo um parque de diversoes para yôgins...

Se soubermos o que procuramos e tivermos boas referencias é fácil. Alguns sitios sao pagos a hora, sem grandes compromissos e complicaçoes. Outros sao gratis, ou seja, aceitam donativos livres. Estes últimos sao quase sempre os ashrams maiores e mais tradicionais, do tipo religioso, como o que eu estou.

Fico a pensar nos novatos, sem referencias e que vêm aprender do zero, ou pior, do quase nada (o quase nada é o pior estado, porque é mesmo quase nada mas é o suficiente para gerar muitos preconceitos, ideias feitas e pretensoes. Os praticantes mais fanáticos e dogmaticos costumam ser os novatos que sabem quase nada). Quem cai aqui de férias e se entrega à sorte pode ficar totalmente perdido. Há dezenas de anuncios para classes e cursos de yôga. Alguns levam simplesmente ao quintal ou “sala de estar”de um indiano qualquer, que tanto pode ser um yôgi extremamente competente como um charlatao atrás de mulheres ocidentais idealistas, ingénuas e “liberais”. Ainda assim há muita coisa muito boa e séria por aqui, e o sitio é realmente agradável. Nao recomendaria nunca começar a praticar yôga por cá, mas, para quem já sabe o que está a fazer e tem boas directivas e referencias é excelente, seja para fazer cursos mais ou menos prolongados de aperfeiçoamento ou seja simplesmente para fazer umas férias a praticar yôga num lugar com tradiçao.

O primeiro sitio onde fui foi ao ashram onde reinam dois “babas” “iluminados”: uma americana e um brasileiro! É um sitio totalmente ocidentalizado, onde não vi um unico indiano. É feito por e para ocidentais. E os ocidentais conseguem ser muito mais misticos, esotericos, idealistas e alucinados que os indianos! Felizmente os brasileiros também sao genios da música e por isso o Sat sanga (“reuniao em boa companhia”, onde geralmente se vocalizam mantras, se discute ou houve sermao filosofico, e se medita) do baba brasilerio foi bastante agradável. Aliás, não só pela música, mas também pelo sitio que é dos melhores aqui na zona, mesmo por cima duma curva no Ganges, e também pelo sermao que o “baba” deu depois os mantras e antes da meditaçao guiada. Entre umas merdas new age com astrologias e evolucionismo à mistura (“hoje, precisamente hoje, abre-se a porta para uma nova era...”) lá falou da necessidade de quase todos temos de ser “amados em exclusivo”, de como o nosso ego quer sempre receber, mais e mais, mas raramente se predispoe a dar e deixa fluir, e como isso bloqueia tudo e tal... até gostei.

Ainda nesse mesmo dia, a tarde, quando tentava encontrar um professor bastante famoso que queria conhecer mas ninguém parecia saber onde raios está, acabei por ser levado por um casal que encontrei e ia a caminho de outra pratica ali perto. Era de Ashtanga “Vinyasa” yôga, daquele bem ortodoxo e amplamente conhecido. É uma pratica 99% fisica, bastante intensa, só acessivel a quem está numa forma fisica boa ou optima, ou pelo menos quer vir a estar. Sua-se mais que numa sauna. Gostei e entretanto já repeti a dose. Depois conto mais.

Entretanto ontem vim para o ashram. Hoje começou o primeiro curso que cá vou fazer. É de Vedanta. Ou seja, consiste em ouvir o swami (o monge) a explanar sobre Vedanta atraves do estudo de um texto, texto original em sânscrito. Este estudo de Vedanta pode e deve ser acompanhado de meditaçao e se possivel estudo do sânscrito. E a isso se chama Jñana yôga. Depois conto mais.

Em 4 dias já tive 3 experiências de yôga completamente distintas umas das outras. Por acaso no SwáSthya já tinha acesso a todas elas, por isso foi fácil perceber e enquadrar o que vou encontrando, porque embora a linha ou o contexto seja diferente, o SwáSthya dá realmente boas bases, uma base ampla e completa para enquadrar quase tudo que se queira e encontre. Assim as mentes estejam abertas...

Depois de tanta viagem e caminhada, depois de uma semana a conhecer tanta gente, a fazer praticas em diferentes escolas e de tipos tao diversos, eis que entrei no regime do ashram. Este ashram está ainda pegado a cidade de Rishikesh, embora mesmo junto ao rio. Por isso está a cerca de 1 km da primeira ponte e ligeiramente deslocado da maioria do movimento de turistas. É um ashram enorme. Tem cerca de 150 quartos, uns de 2 outros de 3 pessoas, com capacidade para cerca de 300 pessoas. Sem luxos, mas um conforto razoavel (para a Índia e para um mosteiro). Por sorte ou azar, nem sei, (ainda) estou sozinho no quarto, a aproveitar uma privacidade rara nestas circunstancias. Para este primeiro curso estao presentes cerca de 250 pessoas. Mais de metade sao indianos, a maioria do sul da Índia, de castas altas, e que vêm aprender com o Swami Dayananda, que para muitos deles (como para muitos dos ocidentais) é um guru (um professor) e ou um Deus vivo, ao qual sao devotos. Aqui na Índia isso (“ser Deus”) não tem o significado e peso que lhe damos no ocidente. Significa apenas que sabe quem é, e é Brahma. E qualquer um de nós pode e deve procurar esse mesmo conhecimento. Assim, um professor, principalmente se o considerarem iluminado, é objecto de devoçao. E o Dayananda é conhecido em toda a Índia, e em todo mundo, e tem devotos. Nem por isso é guru de massas. Por ano terá alguns milhares de ouvintes em todo mundo, dos quais umas centenas serao estudantes aplicados. Além dele próprio costumam estar presentes uns 20 outros swamis, alguns seus discipulos, alguns residentes do ashram, a maioria homens e indianos, mas também algumas mulheres e ocidentais. Esse outros swamis colaboram nas tarefas de ensino e administraçao do ashram, sendo professores Vedanta, sânscrito, música ou yôga. Alguns já têm mais de 70 anos. Além das habitaçoes o mosteiro tem as cantinas, recepçao, templo, e três salas de estudo e ou pratica. O regime não é militar. Posso sair quando quiser e só vou as aulas que quiser. Mas vim também com o propósito de aprender algo e por isso vou seguir o curso, neste caso o Camp 1- Vedanta didinmah (“isto proclama o Vedanta”), que dura cerca de 10 dias, 3 aulas de uma hora por dia. Para além disso posso ir a meditaçao guiada as 7. 00, estudar sanscrito de manha e a tarde, e até ir a classe matinal de Hatha yôga (muito suave e terapeutico) e ainda frequentar o sat sanga nocturno (8.30), onde se vocalizam mantras em grupo, e o swami responde a perguntas que qualquer um pode fazer. Não vou fazer tudo. Estou cansado, o corpo doi-me das praticas intensivas que fiz antes, não me apetece estar sentado de pernas cruzadas e quieto mais que aquelas 5 horas por dia minimas.

Sinceramente o primeiro dia custou-me um pouco, não obstante o swami seja realmente divertido e genial a passar o ensinamento filosofico. É realmente interessante. É precisamente o que tinha esperança de encontrar. Até supera as minhas expectativas. Mas depois de tanta diversao, depois do regime de férias, de conhecer tanta gente e mover-me tanto, de viajar e passear, das praticas diversas e avulsas feitas quando me apetecia, depois da festa, de repente, entrar em plano de estudo intensivo e estavel num local com horario preenchido, pré-definido, e onde há uma serie de normas de estar básicas a ser em respeitadas, não me pareceu muito divertido. Nem mesmo se estive com gente que já conhecia, conheci mais alguns e falei português pela primeira vez em duas semanas! Acho que é cansaço... Mas hoje estou algo depressivo, com saudades. Saudades de pessoas que conheço e gosto mesmo. Coisas de viajante, coisas da Vida. E vice-versa. Há momentos e momentos...

Até amanha.


2 comentários:

  1. Gostei muito dos comentarios. Quero fazer, nas minhas próximas férias, curso de yoga para iniciante e gostaria de obter mais informações sobre o Ashram de Swami Dayananda, como chegar, acomodações, custo, etc.

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  2. nossa moço, estive na Índia por 1 ano e me surpreendo por alguns de seus relatos tão tendenciosos, porém é bem típico da sua trajetória, que confirma como a mente swásthya yoga é deveras limitada e cética, deixando de aproveitar a essência!!!

    opondo sempre resistência às coisas e se achando superior... TAT TWAN ASI... porém agora cada vez mais dou graças por ter saindo de uma egregóra que nao é nem capaz de respeitar e aceitar a diversidade!!!

    boa sorte no caminho, despertai irmao! abra seus olhos e coraçao para o yoga real!!!

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