sábado, 7 de fevereiro de 2009

Estou na Índia. Chegada e Delhi.

Quando cheguei a Sao Paulo, no Brasil, ia assustado. Ia sozinho, tinha passado o mês anterior a sofrer uma pequena lavagem cerebral de muitos conbhecidos que me “bondosamente” me avisavam de todo tipo de perigos que o Brasil oferecia, do tipo “cortam-te os dedos para te roubar os anéis”. A minha maneira, cheio de descontraçao e estupidez natural, pouco ou nada preparei. É perguiça e desleixo mesmo. E optimismo e excesso de confiança. Em geral acho que tudo vaio correr pelo melhor, e o melhor é ir e logo se vê, tudo se resolve... E resolve mesmo, mas isso tem um preço. E geralmente é bastante fácil de contabilizar, porque é monetário. Quando cheguei a Sao Paulo era Domingo pelo que estava quase tudo fechado. Pelo menos a escola de yôga onde eu ia fazer o estágio profissional estava fechada, assim que não havia possibilidades de orientar-me por lá. Infelizmente tinha-me esquecido da direcçao da casa onde ia ficar. E do numero de telefone! Assim que vi-me atirado para o meio da rua naquela que para mim era, por preconceito, uma cidade infernal! Quando me apercebi da situaçao fiquei com MUITO medo. A minha reacçao ao panico foi simples: olhei em volta, procurei um Hotel com bom aspecto e entrei nele. Felizmente estava num dos melhores bairros da cidade (o que, pelo aspecto, eu não diria) e mesmo em frente a um dos melhores hotéis, um de 5* que eu já nem me lembro o nome. Entrei e pedi um quarto, tomei banho e imediatamente senti-me bem. Baixei ao bar, pedi acesso a internet e logo encontrei on line a dona da casa onde ia ficar. Afinal a casa era na mesma rua do Hotel, a um quarteirao de distância! Menos de dois meses depois tinha percorrido sozinho e a pé muitos Km de ruas más e muito más da cidade, sem grandes receios e sem que se passasse nada.

Ontem de madrugada cheguei a Índia.

Sobre a Índia nunca ouvi grandes histórias de violência. No entanto, sobre Delhi, quase só ouvi coisas do tipo: “é asqueroso”; “é horrivel”; “fiquei um dia e fui logo embora”; “cuidado com os pedintes e pequenos furtos”. Diga-se que a ideia de ficar sem $ e documentos (passaporte) na índia é assustador. A isto juntam-se os mil e um avisos sobre os cuidados a ter com a água, comida, mosquitos e mais um sem fim de doenças tropicais, sazonais, e outras tipicas do mundo mais imundo. MUITO mais imundo. Depois de cerca de 36h acordado, 10h num aeroporto, e uma viagem de 8 horas de aviao, qualquer um sonha com um bom quarto, limpo e seguro, uma cama, uma refeiçao e um bom descanso. Isso pode até tornar-se uma obcessao que atalha quaisquer outros pensamentos e a própria capacidade de pensar racionalmente. Quando cheguei meti-me num taxi em direcçao ao centro. Um velho Ambassador que começou a serpentear pelas estradas de modo frenético comunicando-se alegremente com a buzina a cada 10 segundos com os outros muitos milhares de conductores maniacos que abundam actualmente na Índia. Só me lembrava que o Hotel onde supostamente eu tinha uma reserva era em Connaught Place, que eu imaginei ser o centro, e efectivamente é. Do Hotel nem me lembrava o nome, pelo que disse ao taxista , o mais confiante que consegui, para me levar ao centro, na esperança que ele não topasse que eu não fazia a minima ideia de onde estava e para onde ia. Perguntou-me logo se era a primeira vez na Índia? 2ª disse eu sem hesitaçoes. Parece que deu mais ou menos certo, deixou-me no sitio certo. Não sem antes tentar levar-me várias vezes a aceitar sugestoes e contactos de hoteis para ir. Até me passou para a mao o telefone ligado para eu falar com alguém com quem ele estava em contacto, o que eu recusei com um misto de (pseudo) desinteresse e desprezo. Estava básicamente armado em bom. A esta altura já estava impressionado com o aspecto da cidade. Mesmo com pré-aviso impressiona. Infelizmente não estudei minimamente “O livro” do viajante na Índia (o Lonely planet) que, depois li, avisa para ter cuidado com os muitos agentes de turismo que se anunciam oficiais (“work for goverment, no comissions”), mas que não sao, e que estao prontos para nos “dar” toda a ajuda que precisemos. Depois de 5 segundos (!!!) de sair do taxi já tinha um fulano de aspecto duvidoso a querer levar-me para um “Official Turist Office, right here, come come”. Como 5 segundos foi o que demorei a entender que afinal aquilo que no mapa parecia uma pequena e tipica praça cental de uma cidade era na realidade um gigantesco, caótico, sujo, barulhento, cheio de transito e aparentemente labirintico conjunto de avenidas que realmente fazem uma volta parecida a um circulo, circulo que no mapa parece uma praça central. É central, mas não é bem uma praçazita. Como percebi instantaneamente que jamais iria encontrar um Hotel que eu nem me lembrava o nome, deixei-me rapidamente ceder ao convite deste senhor. Nesta agência de turismo “oficial” (na realidade, oficial mesmo, e recomendavel, só existe uma agência, a que recomenda o LP) fui bem rebecido por uma elegante jovem Sikh que me tranquilizou rapidamente e em 5 minutos me preparou um percurso turistico completo para os 10 dias que eu tenho antes de Rishikesh.

O meu plano era simples: Delhi de passagem, Agra por obrigaçao, para tirar a inevitável foto do Taj Mahal, e só porque está a meio caminho para a mitica Varanasi (antiga Benares), onde ficaria mais uns dias apreciar os Ghats e tudo o mais que houvesse para ver nessa cidade onde domina o culto a Shiva nas margens do Ganges. Mas nao sei como, talvez devido à junçao de cansaço e medo, ou à simpatia e competência deste boy, 10 minutos depois tinha aceite comprar um plano turistico de gama média (ou seja, não ia ficar com os backpackers) passando 3 dias por Jaipur no RaJasthan com direito a passeio em elefante, pelo meio mais outra cidade que nao lembro do nome antes de Agra , depois Agra, só depois Varanasi, e entao comboio para norte directo até Hardiwar, já mesmo ao pé de Rishikesh. Vá lá ainda tive lucidez para recusar um mini safari atrás de Tigres num parque qualquer na zona de Agra! O plano incluia os Hotéis, taxis e rishikaws em todo lado á minha espera e disposiçao, e os bilhetes de comboio. Só teria de pagar extra a alimentaçao e as entradas nos monumentos. E as gorjeta que achasse devidas. Felizmente os meus cartoes Visa não funcionaram direito e só pode pagar parte do total no acto de compra. Isso permitiu-me voltar hoje e renegociar o tour, tirando todo o Jaipur, aumentando um dia aqui em Delhi, e diminuindo a conta a pagar. Ou seja, voltei ao plano original da minha cabeça, embora um pouco mais caro e menos auto-suficiente do que o imaginado. No entanto, verdade se diga, este plano mesmo assim tem um custo aceitável. Se o fizesse eu talvez o fizesse por menos uns 200 euros, mas com muito mais insegurança e sobretudo com muitas perdas de tempo na compra de bilhetes, marcaçoes de hoteis, achar hoteis decentes, etc. Assim vou a muitos mais sitios, muito mais rápido e muito mais seguro. Basta-me dizer ao meu motorista, o Raj, onde quero ir, ou simplesmente aceitar as suas indicaçoes, todas elas préviamente estudadas e que incluem lojas e restaurantes onde não tenho nenhum interesse em ir, mas que lhe dao comissoes a ele, ou pelo menos ao patrao dele.

O Raj, o meu motorista-guia desigando tem 38 anos, é hindu, originário de uma aldeia qualquer no Rajasthan, casado e com 4 filhos. É analfabeto, mas fala, além de Hindi e Rajasthaní, ingês e até umas palavras de japonês. Aprendeu com os turistas. O proximo passo dele, se continuar a acumular bom karma, é comprar o próprio Taxi, que por aqui costumam ser Suzukis, Toyotas ou Tatas, a maioria minusculos e quadradinhos, aqueles utilitários de gama mais baixa que também temos na Europa. Delhi está cheia deste tipo de carros a circular por todo lado, parecendo seguir apenas uma regra básica de transito: não chocar! Mas chocam. O Raj faz rezas e adoraçao (pujas) a Durga em busca de Poder. Secundáriamente também a Ganesh (boa sorte), e a Parvatí (prosperidade). Veja-se como a famosa “espiritualidade hindu” convive harmoniosamente com o mais puro materialismo. É gordinho e simpático. Hoje deu-me uma dica boa de restaurante aqui mesmo ao pé do Hotel Blessings, e sobre como obter bilhetes de comboio sem ser roubado por oportunistas (como os da agência para quem ele trabalha), na estaçao de comboios de Nova Delhi (por distinçao de Old Delhi), a mais importante, também aqui ao lado do meu Hotel. “Don t tell my boss, or will get fired!”. Ok. “Please don t say my name, please don t tell my boss.” Ok, ok. Fez-me logo as perguntas tipicas que qualquer indiano faz a um estrangeiro: Frist time in India? How long wiil you stay? Where do you go? How old are you? Are you married? Have children? Where is your wife? What is your profesion?. Isto sao as perguntas tipicas, quase oficiais, feitas não só para ser simpaticos e meter conversa, não só para saber o quanto podem sacar de nós. Essas perguntas, principalmente as relativas a familia e trabalho, sao as perguntas fundamentais da Vida para um indiano, e fazem-nas por genuina curiosidade. Aliás, sao em geral muito simpaticos, não só por necessidade, mas também por educaçao. É falta de educaçao não responder, e é de bom tom perguntar o mesmo ao inquiridor. Podem até perguntar quanto $ ganhamos, e acham sempre muito estranho sermos casados e não termos filhos.

Ontem, ainda no mesmo dia em que cheguei, depois de um curto sono e banho, o Raj levou-me a South Delhi a ver o “mini” Taj Mahal, anterior e inspirador do de Agra. É também um tumulo muçulmano. E se este é o mini tenho mesmo que ir ver o macro! Depois, ainda no Sul de Delhi fui ver outro monumento qualquer que nem sei bem o que era. Nas realidade ainda estava deslocado, cansado, algo receoso, a adaptar-me ao facto de que estou na Índia! ESTOU NA ÍNDIA!

Hoje de manha (5ª, dia 5) ia sair cedo para explorar a Old Delhi. Comi cuidadosamente o pequeno almoço. Ou seja, comi o pao das sandes de vegetal, e bebi agua mineral devidamente engarrafada ( é a única opçao se exceptuarmos a Coca Cola). 5 minutos depois senti um acesso de vómito! Um minuto depois senti outro. !!! Numa fracçao de segundos revi mentalmente todos os relatos que dizem ser muito comum uma intoxicaçao alimentar acontecer e provocar vomitos, diarreias severas e até desinterias de vários tipos. Coisa para passar uma semana de baixa atrelado a uma sanita! Ao terceiro acesso de vómito não hesitei, e provoquei o vómito sem mais demoras até ter a certeza de que tinha deitado fora absolutamente tudo o que tinha comido. Bebi 1 litro de agua mileral. Descansei um bocado na cama e umas horas depois estava aparentemente bem. Até agora. Deve ter sido só um susto. E que susto!

Old Delhi.

Hoje tinhamos ficado de ir a Old Delhi, a antiga e mais tardicional Delhi. A primeira paragem, a meu pedido, foi uma grande mesquita que ali há. Não sei os nomes, mas esta tudo na internet. Depois foi o Red Fort, que esta mesmo ao lado. Tudo isso faz parte da era muçulmana da Índia que foi a que deixou mais arquitectura em pé até aos nossos dias, mas para falar a verdade não me impressionou muito. Gostei mais de ter andado de bici-rikshaw pela primeira vez. Sim, com um transito absolutamente infernal há volta! Depois, enquanto o gajo que pedala o rikshaw e o Raj esperavam a minha volta, cada um no seu ponto de entrega, aproveitei o facto de estar sozinho para explorar um pouco as reulas de Old Delhi. O Raj não é nada entusiasta de me ver a andar sozinho seja lá por onde for, muito menos nas ruas estreitas, labirinticas e hipercongestionadas de Old Delhi- “If you desapear i lose my job”. !!! Por muito simpático que ele seja eu prefiro não desaparecer pelos meus próprios e óbvios motivos! Antes de me deixar ir no Risksaw disse-me varias vezes “be careful, ok?” Ok, mas estava a começar a sentir-me mais adaptado e relaxado. Estava a começar a desfrutar. E o que me interessa relamente não é ver monumentos e sim “the real Índia”, a vida diária, as ruas onde isso acontece. E onde melhor que Old Delhi? Vi um pequeno grupo de turistas ocidentais e discretamente segui-os. É incrivel como ver turistas ocidentais (menos do que esperava. Ou não ficam muito em Delhi, ou até sao muitos mas no meio de tanto indiano quase nem se vêm) me dá sensaçao de segurança. Ilusória diga-se de passagem. De que raios é que valem 2 ou 3 ocidentais desconhecidos e perdidos no meio de multidoes imensas de indianos em ruas estreiras e labirinticas? É curioso que no Brasil eu passava perfeitamente por mais um, e isso dava-me liberdade, a liberdade de passar discreto. Aqui sou um turista ocidental, sem a menor duvida! Talvez por isso não consegui atrever-me a adentrar muito as ruas de old Delhi sozinho. Uns 200 metros para dentro e senti-me completamente desamparado. Mais 2 ruas e novas tentativas de penetraçao depois voltei atrás contente por este primeiro passo de rebeliao contra os esforços dos meus organizadores de viagem. Disse ao Raj que amanha quero voltar. Ele disse que sim, claro, mas com aquela expressao tipica de quem diz, depois veremos, hei-de levar-te para outro sitio, verás. Rsrsrsrs

De volta ao centro, a New Delhi pois pedi-lhe que me levasse a algum templo de adoraçao a Shiva. Sim, claro, disse ele, mas afinal era um templo de adoraçao a uma dezena de deuses, tudo (mais ou menos) limpinho, bem decorado, cheio de visitantes mais que de peregrinos e devotos.

Como a jeito de compensaçao liberou-me (e a ele próprio) para noite, dando-me indicaçao de uma zona perto e boa (“full of tourist”) para jantar mesmo aqui ao lado do Hotel e ao lado da estaçao. Na realidade é o bairro ende estou, mas eu só tinha visto a minha rua, cheíssima de gente como todas, mas aparentemente não muito frequentada por turistas. Ledo engano, na esquina da rua que dá para a estaçao dei com um mundo hipercolorido, hiperactivo, ao estilo Old Delhi, cheíssimo de lojas de tudo e mais alguma coisa de com muitos hóteis e restaurantes, incluindo uma boa dose deles nitidamente dirigidos ao turista que por aqui sao bem visivéis. É uma especie de sitio para receber e despedir do turistas que vêm a Índia, pois é muito perto do centro e mesmo em frente a estaçao. Estou bem situado afinal de contas. Não que a zona seja “fina”. É suja, barulhenta, cheia de gente e caes vadios, corre-se o risco de ser atropelado a qualquer momento, mesmo ali, numa rua estreira, esburacada, enlameada, mal cheirosa e cheia de movimento a pé! Segura, apesar de se verem bastantes turistas ocidentais, também não deve ser, porque o Raj disse-me “be careful ok?” Ok. Mas é uma zona boa para o turista se hospedar, sair a noite, comer e dormir. Tem ali (aqui) vários sitios recomentados pelO Livro.

Já vi prédios dominados por macacos, e cabras, vacas e elefantes a vaguear no meio da rua. Hoje de manha ao pequeno almoço uma vaca ocupou insistentemente a entrada do restaurante a pedir comida. Ainda não acho normal. Viro-me e páro para ficar a olhar. É outro conceito quanto a organizaçao, higiéne, saneamento, potabilidade, etc. Um Europeu diria que pura e simplesmente não existe cá nada disso. Ainda não acho normal. Gente a dormir no passeio em todo lado, a qualquer hora, inconscientes de toda a poluiçao de todos os tipos, que aqui é o normal. Para mim ainda não. Todos os sitios têm gente na rua. Muita dessa gente não tem casa, vive ali mesmo. Come, dorme, compra e vende, trabalha, caga e tem filhos ali mesmo, no passeio, ou até na própria estrada. Alguns dormem tao despojados no cimento poeirento que parecem mesmo mortos. Ainda não acho normal. Mas agora que já começo a adaptar-me e a relaxar estou a gostar. Não da pobreza. Nem sei bem de quê. Talvez porque que é diferente. Talvez porque eu queria ver algo diferente. Talvez proque eu queria muito vir a Índia. Estou cá . ESTOU NA ÍNDIA. Estou feliz. E o resto logo se vê. Tudo há-se resolver-se e correr pelo melhor!

Sem comentários:

Enviar um comentário