terça-feira, 10 de março de 2009

Vedismo, nacionalismo e tradiçao na Índia

A Índia e o hinduísmo contemporaneo

Os hindus é um nome genérico para todos aqueles que não sao alguma outra coisa. Mas entre si não têm muita coisa em comum. Ou não tinham. Só os Vedas, e mesmo assim com algumas nuances. Até porque a esmagadora maioria dos hindus nunca leu ou se interessou pelos Vedas, nenhum deles, e não faz ideia do que lá se diz. A maioria da religiosidade popular nem sequer e baseada nso Vedas, e sim de tipo puranico. Aliás, durante muito tempo, até os Brahmanes, que supostamente seriam os defensores dos Vedas, o que fizeram foi sequestra-los, impedindo que mais alguém a eles acedesse. E o mais ridiculo é que até esses mesmo brahmanes muitas vezes esqueceram e ignoraram os Vedas! Decoravam-os, parcialmente, consuante a sub casta, mas nao se pode dizer que conhecessem os ditos Vedas. Mas falemos de hindus, e de Índia...

Desde há cerca de 2000 que esses "hindus" não têm tido régio politico sobre o território agora chamado Índia. Esse poder politico tem sido dominado por budistas, muçulmanos (que dominaram grande parte do sub continente durante 7 séculos) e depois por cristaos de varias naçoes europeias. E o principal motivo que leva os ditos hindus (ou seja, as multiplas seitas que de alguma forma tem consideraçao pelos Vedas, e não sao, objectivamente, um ramo de outra religiao) a não terem tido poder politico consistente por tanto tempo é precisamente porque durante muito tempo não tiveram um minimo uniao religiosa, nem social, nem politica, nem linguistica. Esses hindus têm estado divididos por linguas, crenças e praticas religiosas, seitas, castas, costumes e reinos diversos. O maior feito do “hinduísmo” é a sua sobrevivência. E isso deve-se precisamente a essa mesma diversidade, dispersao e plasticidade, que permite que a cultura se adapte, absorva o choque com outras culturas, incorpore algumas das suas características e assim se já regenerando, por entre passos para trás e para a frente, voltando a recriar-se sempre que tenta voltar ás suas supostas origens. Foi assim com o budismo e o jainismo que de certa forma foram tentativas de restauraçao de uma cultura mais antiga sequestrada pelos brahmanes no periodo clássico. Foi assim com o tantrismo e com o advaita vedanta medievais, que procuraram voltar a uma cultura antiga, liberta tanto dos brahmanes como dos budistas, como dos muçulmanos. E esta a ser assim agora, desde o século XIX, quando o hinduísmo absorveu a influência do imperialismo europeu, nomeadamente britanico, e por isso ganhou orgulho nacionalista.

A regeneraçao em curso, que vem desde os finais do século XIX (primeiramente impulsionada por Dayanand, que renegava o politeismo, o puranismo, o shivaismo, o shaktismo, o shikismo, o cristianismo, etc. em favor de um purismo vedico monoteista) tem, ironicamente, uma forte influência (reacçao e integraçao) tanto dos muçulmanos como dos cristaos imperialistas. Essa influência é a ideia fundamental de unidade. Uniao politica: um país, um Estado, e não variados rei, reinos, donos de terras, etc.. Uniao linguistica, através do hindi e sobretudo do inglês. Uniao social, com a dissoluçao do sistema de castas em favor de uma meritocracia do tipo ocidental. Uniao religiosa, através da dissoluçao e integraçao das crenças e praticas diversas das multiplas seitas, através de uma divulgaçao e popularizaçao dos Vedas e do vedismo, a “religiao dos Vedas” (e não dos brahmanes), uma religiao onde também está a ideia de que só há um Deus, sem forma, e que todos os demais deuses sao meros aspectos desse deus único e sua Criaçao. Esta ideia, hoje mais ou menos generalizada entre os hindus, é relativamente recente, é uma ideia propagada desde o século XIX pelos reformadores modernos do hinduísmo, que procuram criar uma uniao em todos os aspectos da Vida dos hindus. Até a forma de cumprimento tipico dos hindus, que variava de seita para seita, tem sido padronizada através do conhecido namaste (ou do concorrente namaskar), que é uma forma de cumprimento moderna, proposta por Dayanand no século XIX. Esta ideia de uniao é em si mesma politica e religiosa, e visa unir politica e culturalmente os multiplos hindus, dar-lhes orgulho e um sentido de pertença, um sentido de pertença comum. Dayanand, o pai reformador do Vedismo e nacionalismo “arya” moderno (ele preferia arya, nobre, do que hindu, já que hindu é uma classificaçao generica e algo depreciativa feita por estrangeiros) criou um slogan para unir e mobilizar os hindus: “uma religiao (e um só Deus), uma linguagem, uma nacionalidade”. Só assim os “hindus” poderiam deixar de ser submissos politicamente na terra onde sao maioria (e que agora dizem ser a "sua" terra), cerca de 2000 anos depois!

A Índia como existe actualmente, essencialmente hindu, é, portanto, uma (re)construçao recente, onde vedismo e nacionalismo se apoiam e reforçao para (re)criar este novo monismo, a Índia. “Um” país, “uma” cultura, “uma” tradiçao.

Falar de “tradiçao hindu” é algo que deve ser feito com muito cuidado, porque o próprio enunciar do termo tradiçao, neste contexto, tende a levar a enganos...

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