domingo, 8 de março de 2009

Uma visita as quedas de água e um guru inesperado...


Um dia juntei-me a um grupinho que ia ver umas quedas de água no monte, aqui a uns poucos Km a norte de Rishikesh. Quando o grupo se juntou finalmente eram um brasileiro e uma brasileira que já conhecia, um casal de lituanos, um holandês e uma holandesa (que não se conheciam), duas japoneses e eu. E um indiano. Todos conheciamos alguém do grupo, mas quase ninguém conhecia sequer metade do grupo todo. Coisas de viajantes.

As quedas de água em si não têm nada de especial. Sao agradáveis, dá para tomar um banho, tem boas vistas e e tal mas...

O que gostei foi de conhecer o indiano, que se chama a si mesmo Vince! Quando o conheci estava no seu quarto, no mesmo local que o meu amigo brasileiro. A música berrava Eminem! Apareceu de estilo rapper de praia ocidental. All Star e tudo. Primeira coisa que fez foi puxar um cigarrinho do seu paquete de Marlboro. Começou logo a fazer de guia, com trejeitos de playboy engatatao pelo meio. Creio que terá entre 25 e 30 anos, não estou certo. Passado uns dias ia para Madrid, Espanha. Tem uma namorada lá. O que vai lá fazer? Dar aulas de yoga claro! Nos primeiros 5 minutos já estava quase a declarar-lhe mentalmente nojo perpetuo, porque eu tenho a mente aberta e tolerante, mas não tanto. Também tenho os meus preconceitos e dou-me todo direito a tê-los. Naturalmente procurei outras companhias. Infelizmente as japonesas não sao muitas boas para conversar, porque como de costume não falavam grande coisa de inglês, e já estou a ser simpático, porque elas também eram. Os brasileiros e holandeses sao mais acessiveis.

Entretanto, lá em cima nas cataratas, enquanto o pessoal se banhava (eu não me misturo neste tipo de banhos publicos, especialmente com a água tao gelada! rssrsrrs), estava eu na conversa sobre yogas e tal com o Vicent (o Holandês) e o Vince ( o indiano) juntou-se a nós. Eis que o gajo se começa a chibar. Afinal era um ex adepto da ISKCON (vulgos “Hare Krishna”), que tinha sido criado dentro da seita (seita aqui não tem sentido pejorativo, pois todos os grupos “espirituais” sao mais ou menos pequenas seitas...) desde muito pequeno. Foi literalmente adoptado e criado pelo grupo. Os “Hare krishna”, para quem não sabe, sao um grupo devocional criado por um indiano emigrado nos EUA, e que tem como base a devoçao a Krishna, o estudo da Bagvad-guita, com o intuito de iluminar o mundo através da consciência de krishna, blá blá blá. Sao um grupo relativamente grandito e presentes em todo mundo. Até na Índia estao! Um dos Beatles foi durante bastante tempo devoto deles, ou pelo menos colaborou com eles, inclusive com doaçao de parte do testamento. Eles ficaram muito famosos (má fama, diga-se) pela forma extravagante como se apresentavam publicamente no ocidente (cabelo rapado e roupas laranjas) cantando pelas ruas o seu famoso mantra: “Hare Krishna”. Pessoalmente simpatizo com eles. Sao opimos no mantra, e tem sempre um restaurante vegetariano aberto e barato em quase todas as principais cidades do mundo. E dao um colorido ás nossas cidades. Colorido cultural também, diversidade. Claro que esta é a minha visao, de quem vê de fora, de quem só vê o colorido e saboreia a culinária sem compromissos. Assim todos estes pequenos grupos “espirituais” de inspiraçao hindu que abundam tanto no oriente como no ocidente sao bastante divertidos.

Quem pertence aos grupos, os adeptos profissionais, os que vivem para esses grupos e os sustêm, acabam por ter sempre outra visao. Porque o grupo (os “espirituais” como qualquer outro tipo) dá, mas também pede. E em geral pede primeiro, e pede mais do que dá. Em geral é preciso ficar bastante tempo e jogar bem dentro dos grupos (mais que competencia é a lealdade canina e a habilidade nas Relaçoes Publicas que conta) para que o saldo comece a reverter. E para a maioria a compensaçao é simplesmente o orgulho e satisfaçao de pertencer e contribuir para a “obra”. E é de obrar que se trata. Essencialmente suster o grupo envolve trabalho, bastante trabalho. Envolve sentido missionário, compromisso, fidelidade, lealdade, idealismo, conviçao, fé, disciplina, entrega, renuncia, etc. Envolve questoes hierarquicas, com os seus abusos e desvios écticos tipicos. Envolve dinheiro. Tende a envolver amizades e amores, e inimizades e desamores. Envolve TUDO. Envolve tudo isso misturado. Ou seja, tende a ser... absolutista, complicado e pesado. E muitas vezes uma pessoa vê-se embrulhada no meio de tanta hipocrisia, politiquice e problemáticas das mais profanas e corriqueiras que chega um momento em que se pergunta: o que raios faço aqui?! Passado um tempo, de questionamento e duvidas, muitas vezes a resposta a si mesmo é negativa: não acredito nisto; não quero isto; perco o meu precioso tempo. Muitos sentem-se enganados, traidos. E isso gera revolta. E voltam-se contra aquilo que antes tanto amaram e apoiaram. Há uma especie de periodo de nojo, em que se renega tudo, uma especie de vómito de algo estragado e ou mal digerido. As vezes esse vómito deixa uma azia continua, para o resto da vida, como um veneno que ainda está lá.Enfim, como em todas a organizaçoes, há os satisfeitos, mais ou menso satisfeitos, pro mais ou menos tempo, e há os outros. Neste caso, das organizaçoes "espirituais", como envolve um grau elevado de idealismo, em geral tudo se mantém mas sou menso bem se a pessoas ACREDITA. E se as contas sao pagas, claro...

Voltando ao assunto, o Vince, foi precisamente isso que se passou com este micro heroí desta micro história. Ele deixou de acreditar e está em periodo de nojo em relaçao à ISKCON. O fumar entra aí. Não consegue admitir comer carne de vaca (“the cow is my mother”), ainda tem bem presente os ensinamentos mais ou menos tradicionais que lhe inculcaram desde pequeno na seita, está consciente que como professor de yoga está em prevaricaçao (ou seja, vai ensinar o que não faz, como por exemplo não fumar, etc), mas não está muito preocupado. Assume as suas contradiçoes e hipocrisias. Até declara abertamente que só vai dar classes de yoga em Espanha para ganhar dinheiro, o que me fez perceber que não conhece bem a mentalidade dos ocidentais e espanhóies, que não estao preparados para tanto sentido pratico nestas questoes. Mas a mim esta atitude caiu-me muiiittto bem. Afinal, conheço muitos professores de yoga que também não não fazem o que ensinam, mas não têm coragem de admitir, alguns nem para si mesmos. Conheço tantos yogins que andam por aí a querer guiar os demais apesar de estarem tao perfeitamente perdidos como os que pretendem guiar. Pelo menos o Vince esta a começar bem, com Satya, com Verdade para consigo mesmo. E isso é a base de tudo. Actualmente a sua filosofia de Vida é mais ou menos esta: no gurus, no organizations. Just listen to your self, known yourself, trust yourself, make your one decisiones, be your self, right here right now. Your are responsable for your karma anyway... Embora eu não esteja a passar por nenhum periodo de nojo, pois o meu relacionamento com gurus e organizaçoes “espirituais” tem sido em geral positivo, acho que compreendi bastante bem o Vince, porque em parte me identifico. O que ele estava a dizer pareceu-me menos pretensioso, mais corajoso, verdadeiro, realista e importante do que mil e um discursos idealistas, alienados e até surreais que eu tenho ouvido de mil e um gurus um pouco por todo lado. É caso para dizer que afinal aprendeu alguma coisa com o seu ex grupo. Para quem quer aprender, até um pouco de veneno serve...



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