terça-feira, 3 de março de 2009

O Sadhu que viveu 40 anos numa gruta!

Na Índia os gurus (professores e ou mestres) tendem a ser reverenciados. Boa parte dos gurus sao swamis, monges renunciantes, que só por sê-lo tendem a ser considerados homens santos, a quem se respeita, porque sao homens que deixaram tudo o demais para se dedicarem apenas e só a buscar o conhecimento de si mesmos. Destes, alguns swamis, sadhus, sao considerados iluminados. Não há nenhum medidor de iluminaçao objectivo. Como é obvio é tudo bastante subjectivo. Mas alguns destacam-se, ganham fama, sao procurados para ensinarem, aconselharem, etc. O mais comum é que sejam cumprimentados com uma reverencia que consiste em ajoelhar-se, tocar os pés, eventualmente até beijá-los, e cumprimentar com as maos juntas a frente do peito com um namaskara (saudaçao, tipo “bom dia”, ou “bom dia excelentissimo guru”, algo do genero...), mostrando admiraçao, respeito, carinho, submisao, humildade, etc. Para um indiano isso é muito natural. Tao natural que fazem-no com a facilidade com que nós damos um aperto de mao. Mas para ocidental fica menos natural. Especialmente em tempos em que se valoriza tanto o individualismo, o orgulho, a vaidade, o ego. Para mim não é natural e por isso não ccumprimento assim ninguém. Mas na passada terça feira fui com um grupo que conheci conhecer um sadhu que viveu 40 anos numa gruta da montanha aqui em torno ao Ganga em Rishikesh. 40 anos numa gruta!!! O velhinho é magrote, tem cara humilde e ainda por cima estava preso a uma cadeira com uma perna partida. Não tem nenhum ashram, nem estrutura, nem gente a segui-lo e apoiá-lo. De repente, a este tipo até pareceu normal fazer o tradicional cumprimento de tocar os pés...

Chegamos e sentamo-nos a volta dele. Ele estava pronto a responder a qualquer coisa que lhe pedissemos. E o primeiro que quisemos saber foi a história dele...Depois de atender o telemóvel lá nos começou a contar e responder. Sim os sadhus, supostamente renunciaram ao mundo mas a maioria tem telemóvel! Adiante...

Lá ficamos a saber como desde pequeno teve inquietaçoes religiosas, filosóficas, espirituais. A certa altura decidiu abandonar tudo para procurar as respostas ás questoes existenciais que tanto o perseguiam. Essa busca trouxe-o a Rishikesh. Aqui acabou por encontrar um guru que vivia numa montanha e que acabou por se tornar o seu guru. E lá ficou a viver, na mesma gruta. 40 anos! Chegou por volta de 1960, quando Rishikesh já era relativamente famosa pelos yogis e sadhus que a frequentavam e que por aqui viviam. Mas em 1960 ainda quase não havia estradas, nem pontes, nem ashrams. Turistas e mesmo peregrinos indianos eram pouquissímos. Logo não havia hoteis, lojas, etc. Isso só começou 10 e 20 anos depois. Os poucos sadhus e yogis que cá viviam em geral acolhiam-se em grutas ou kutirs (tipo palhotas), ou ao pé do rio, ou algures mais acima já na floresta da montanha. Ainda havia tigres nessa florestas, e ás vezes apareciam no rio para beber agua... Imagine-se o cenário! Entretanto o mundo mudou. Rishikesh mudou. Há várias pontes e barragens norte e sul de Rishikesh. E, absurdo, algum burocráta resolveu declarar que a floresta à volta de Rishikesh, nas montanhas que a cercam, deveria ser declarada reserva protegida. Até aí tudo bem, pois essa floresta está mesmo a desaparecer, e a ser invadida por construçoes ilegais e lixo de vendedores ambulates, etc. Mas alguém tem feito alguma coisa para limpar a montanha, ou pelo menos impedir que fique mais suja? Não. Mas tiveram abrilhante ideia de expulsar todos os sadhus que ali viviam! Em alguns casos viviam ali há decadas. Em alguns casos em grutas habitadas por yogis há séculos! Que grande mal é que estes yogis faziam a montanha? Nenhum. Mas foram expulsos. Um deles foi este velhinho que fomos conhecer. Por sorte dele um hotel junto ao rio acolheu-o. Ele vive lá. E é lá que recebe as suas visitas, de yogis e ou turistas como eu que lá vao para perguntar-lhe coisas sobre o yôga, ou sobre a Vida, sobre Deus ou sobre qualquer coisa. E foi o que o nosso grupo fez. E, claro, no fim deixamos o dakshina (básicamente, o pagamento).

Aqui deixo algumas frases que escutei e gravei...

(atençao que o contexto cultural é outro, e por isso as mesmas palavras não têm necessáriamente o mesmo significado)

Palavras de Swami Shankar Das, um yogi que viveu 40 anos numa gruta!

“Deus é como um espelho: quando nos colocamos diante de Deus vêmo-nos a nós mesmos!”

“Deus conhece todos os nossos pensamentos, e todas as linguagens, e todas sao dispensáveis para comunicar com Deus. Qualquer comunicaçao é entendida por Deus, porque é sempre Deus a falar consigo mesmo.”

“Antes (de ser iluminado) via Deus fora de mim, fora das pessoas. Agora vejo Deus em todas as pessoas. Tudo e todos estao conectados.”

“Yoga é aquele que é capaz de juntar aquilo que parece separado.”

“Yoga significa que ambos somos o mesmo.”

“Ás vezes o yogin vai praticar mas com a motivaçao errada. Quer alcançar um corpo muito bom, ficar cheio de energia, mais concentrado e inteligente, etc. Ás vezes obtém tudo isso. Ou pelo menos convence-se disso. Mas como isso vem do ego e é para o ego, como a atitude é o égoísmo, o yogin não obtém exito (iluminaçao).”

P: É fácil estar estável e "bem" aqui, em Rishikesh, de férias, a praticar yoga, sem pressoes. Mas e como manter este estado numa grande cidade, sob o stress do trabalho, com a poluiçao, etc? "R: Vai para onde for necessário, pratica yoga, estuda e ilumina-se. Entao nao importa onde se vive..."

P: Para quê continuar, qual a sua motivaçao de viver se já encontro Deus que era a meta que tinha na Vida? R: “Ainda tenho desejos. Tenho o desejo de viver mais anos.”

“ Quando o yogi pensa que já se iluminou e não precisa de mais ninguém, que não precisa de mais gurus, que não precisa aprender mais, entao pára. Pára de conhecer. Mas o yoga nunca acaba, nunca deixamos de aprender, mesmo “iluminados””.

“A vida pode ser dificil para quem não a entende, mas é divertida se a conhecemos. É como um drama, um teatro, um filme. E é bom ter papel nesse teatro, mesmo que pequeno.”

Não é preciso ir viver para uma gruta para chegar a esta filosofia de Vida, mas para ele funcionou...







Sem comentários:

Enviar um comentário